Era uma
tarde de domingo como outra qualquer e eu, sem ter mais o que fazer, visto que
meu grupo de RPG estava disperso por aí e não haveria jogo naquele dia, resolvi
assistir a uma animação que passava na TV. O nome? Ratatouille. Já havia ouvido
falar sobre esse desenho e desejava saber o porquê de um longa com uma história
tão simples fazer tanto sucesso. “Vamos ver o que tem esse desenho de tão bom”,
pensei eu, cético. Ao final do filme, eu estava intrigado e emocionado. Foi, é
claro o discurso final de Anton Ego
que mais me marcou. Entretanto, dias depois de ter assistido ao desenho, e
tentando entender melhor a emoção que senti, comecei a perceber que grande
parte dessas sensações tinha origem, nada mais nada menos que no RPG e sua
grande capacidade de “Imersividade”.
Não vou
contar aqui o final da história, sugiro que assistam e tirem as suas próprias
conclusões. Entretanto, vou tentar explicar resumidamente o aconteceu comigo, e
pode acontecer a qualquer um que joga RPG e que aprende a mergulhar de cabeça
nas histórias que ouve. No ápice da animação, o personagem Ego tem um insight. Ele se vê de volta a sua infância, numa casa
pobre de camponeses, onde havia muita humildade, mas, ao mesmo tempo, muito
amor. Como isso acontece? Graças a uma “mágica” que o personagem Remy faz nessa parte da história (estou
lhe dizendo, assiste lá que você não vai se arrepender).
Se você morasse em uma casa Hobbit, com certeza veria uma cena parecida com essa ao acordar. |
O fato
é que a cena desse insight não dura mais do que 15 segundos na tela. Esses
poucos segundos, entretanto, foram suficientes para que a vida do personagem se
passasse em minha cabeça. Imaginei a infância de Ego, humilde, mas cheia de
amor familiar. Vi-me na pele dele, brincando no quintal de sua casa em uma
tarde morna de sol, esperando a hora do jantar. Imaginei como deve ter sido
dura a sua adolescência e a perda da mãe (que imaginei em um velório, numa
tarde chuvosa, quando até a natureza pareceria chorar). Por fim, imaginei como
o tempo passou a transformar aquela criança pobre no terrível e implacável crítico
gastronômico Anton Ego. Mais do que
isso: por alguns instantes eu me vi como ele: um cético vagando por seu país, a
procura de algo em que “acreditar”, algo que pudesse devolver-lhe a fé e a
felicidade perdida. Não posso contar mais que isso, sem estragar o final da
história.
Mas, o
que isso tem a ver com RPG?
Simples:
isso tudo foi resultado da Imersividade (ou seja a capacidade de a pessoa se ver "dentro" da história) que o RPG desenvolve em seus jogadores.
Bem,
para explicar melhor, devo voltar um pouco no tempo, contando um pouco de minha
trajetória como RPGista. Durante mais de 8 anos, eu tenho jogado exclusivamente
como mestre. Nessas sessões, eu tento trazer
para os jogadores as mais diferentes histórias: de Dragões a camponeses pobres;
de magos a bárbaros; de princesas a Orcs; de reis a bandidos. Para isso, eu
sempre procurei criar personagens interessantes e profundos para servirem de
pano de fundo às batalhas e aventuras vividas pelos personagens dos jogadores.
Que tal um pouco de ovos com bacon à la Calcifer? |
Entretanto,
foi quando eu comecei a mergulhar de cabeça nas histórias dos NPCs é que as
minhas aventuras começaram a ficar verdadeiramente divertidas. O que levou o
vilão a atacar a vila? Como o vampiro se tornou o que é? Qual a história e como
é a vida daquela camponesa que trabalha na taverna e serve os heróis? Essas e
outras perguntas começaram a fazer parte do meu processo de criação de qualquer
aventura, por mais simples que fosse. Logo, eu tinha um verdadeiro arsenal de
histórias guardadas em minha mente, prontas para vir à tona em qualquer momento
que se fizesse necessário dentro de uma sessão de jogo.
Em outras
palavras, à medida que a prática de jogar RPG se tornava para mim mais comum, a
capacidade de criar e me envolver com as histórias que criava também aumentava.
Esse
exercício mental, atualmente, é parte do meu dia-a-dia, e me permitiu atingir
uma espécie de “tônus” cerebral: assim como um atleta está sempre pronto para
praticar exercícios, eu estou sempre pronto para contar histórias. Só preciso
me aquecer antes.
Graças
a isso, existem muitas experiências cinematográficas, principalmente com
animações, que servem de “gatilho” para que minha mente comece a “imergir” na
história que eu estiver assistindo. Esta imersão me permite recriar a história
que eu estou vendo, ou simplesmente “traduzi-la” em minha mente para um cenário
que me agrade (um mundo moderno vampírico ou um cenário fantástico medieval) e,
a partir daí, acrescentar detalhes e novas ideias.
Já me
vi acordando em uma manhã morna de primavera na vila dos hobbits; comendo bacon
com pão e ovos em uma tarde nublada, dentro de um certo “castelo animado”; já
me imaginei tirando um cochilo em uma praia perdida do Mar Adriático... Mesmo
agora, enquanto escrevo este post, posso quase sentir o cheiro do mar e o calor
do sol... E olha que nunca fui a uma praia.
Uma bela tarde em uma praia do mar Adriático. |
E tudo
isso, eu devo ao RPG e a prática sempre muito saudável de contar histórias.
Só para
se ter uma ideia de como a imersividade
é poderosa, dia desses fui a uma cidade vizinha, resolver alguns assuntos e,
enquanto esperava o ônibus de volta, durante uma noite de fim de inverno, morna
e cheia de vento, me vi com “saudades” de um clube de vampiros que criei para
minhas aventuras de RPG, chamado Nighstars, e de seus exóticos frequentadores.
Acredite,
não há nada tão intrigante, mas ao mesmo tempo tão mágico, quanto sentir
saudades de um lugar onde você jamais esteve.
Porco Rosso. Piratas aéreos no mar Adriático. Lindo anime! |
Ratatouille. Um agradável surpresa! Diversão garantida para toda a família! Inclusive os adultos. |
O Castelo Animado! Magia, veículos mágicos, cenários maravilhosos e... Ovos com Bacon! |
Nenhum comentário:
Postar um comentário